domingo, 22 de junho de 2014

"Tudo vale a pena se a alma não é pequena" - PORTUGAL (visto e vivido de dentro)

Quando a Robertinha me fez este convite, ainda que indiretamente, para escrever sobre Portugal ou sobre um pouco da minha experiência em terras lusas, fiquei com o bichinho da vontade: “E pá, isto pode ser um exercício giro, já não escrevo há tanto tempo”– refle(c)ti. Instantaneamente dei por mim num conflito linguístico. “Ih caraca, não posso escrever assim, senão ninguém vai entender patavinas!” – Rá, os dilemas dos luso-brasileiros.

Verdade, isto é frequente entre alguns dos brasucas que vivem em Portugal há já algum tempo. Viram? “Há já algum tempo”. É que eu habito as terras de Camões há quase 10 anos (!) – “Xiça pinico, cuncaraças!” Que é como quem diz “PQP” o tempo passa mesmo depressa! Fiz a licenciatura, o mestrado e tive meu primeiro emprego de jeito aqui. Porquê vim?

E hoje tenho a minha própria portuguesinha. Eduarda. Tem quase 1 ano e meio.

Penso em português, em brasileiro, escrevo em português de Portugal e já começo a ter que pensar nas palavras com cuidado quando falo com um conterrâneo. “Cara, você tá muito portuguesinha mermo” – dizem. “É o combíbio”, respondo a brincar. Sim, “a brincar” e não “brincando”.

Na minha escrita lateja o português do “pá”. Já não escrevo “em um lugar”, mas sim “num lugar”. Gerúndio? O que é isto? Utilizo expressões que já me estão tão enraizadas que até me esqueço que tenho sotaque brasileiro.

- Está lá.
- Oi?
- Tô?
- Onde?
- Estou!
- Está o quê aonde gente!?
- Quem fala?
- Sou eu uai.
- Desculpa?
- Desculpa porquê?
-?
-?
Fim da chamada.


E foi mais ou menos assim o meu primeiro telefonema aqui. É que o “alô” não é comum e deu nisto.

Falemos então dos tugas, dos portugas, de Portugal. Falemos do lado lúdico, das prosas e rimas, da poesia, mas também do que é feio, menos bonito. Falemos do português corre(c)to cheio de “Cês”, do português quase sempre bem falado e bem conjugado. Aqui é frio, aqui (só às vezes) é quente. Socializa-se à mesa acompanhado de bons enchidos, de bons amigos e do excelente vinho do Porto. Come-se chouriço, alheira, melão com presunto. Come-se, come-se e petisca-se e come-se. Bebe-se cafés que dão “pica”, pingos e meias de leite com tostas mistas. Há “penache” (cerveja com 7’up), “tango” (cerveja com groselha) e churrascarias que se chamam churrasqueiras.

Por aqui, carrega-se no travão ao invés de se pisar no freio, carrega-se no autoclismo ao invés de se apertar a descarga e, ainda, vai-se às casas de banho e não ao banheiro. Diz-se “rabo” ao invés de bunda, vai-se ao ginásio ao invés da academia.

Há “Tapas” (petiscos), há “pimentos padrão” – uns picam e outros não. Há entradas e saídas. Há paleio. Há boleia, há fado e pão de centeio. Preferem os doces aos salgados. Há “Maria, Felipa, Manuel e Joaquim”. Combina-se nomes como Pedro Nuno, Marta Alexandra e Carla Sofia. No início “estranha-se, depois... entranha-se”. 

Por aqui diz-se “por cá” e existem coisas “mais pequenas”. Olha-se os outros de cima abaixo quando se entra num café. Trata-se as pessoas amigas por “tu”, as desconhecidas por “você”. Valoriza-se os títulos à frente do nome e, por isso, há senhores doutores, senhores engenheiros e senhores arquite(c)tos. Mariquices. Acho.

Fa(c)to. Os meus olhos já não enxergam apenas o Douro ou a sedutora Ponte Dom Luís. Os meus olhos vão além da beleza inigualável do Porto, cidade onde vivo. Captam as diferenças culturais, os problemas sociais que afetam a Europa: o desemprego e a briga desmedida por um lugar - não ao sol, que este por aqui tem brilhado pouco -, mas por um lugar apenas.


A verdade? Já amei Portugal, já detestei, já protestei e me refastelei. E continuo a viver entre tapas e beijos neste país que me acolhe, me arrefece, me cansa e, ainda, me fascina. Quando me perguntam: “Porquê não regressas para o Brasil?...” ou “O que ainda fazes aqui, com tanta oportunidade boa na tua terra?



Sabem... Gosto de acreditar que quando tem que ser é. Simples assim. Apesar dos pesares as coisas têm-me acontecido mais por aqui. Não é comodismo. É instinto. Há qualquer coisa que ainda me prende. Já houve mais, não nego. Já quis mais disto do que quero hoje. Mas vou estando. Por enquanto. Até ao dia...  Vou estando ainda que as lágrimas me venham aos olhos cada vez que penso nas possibilidades do meu país mas, sobretudo, quando penso naqueles que deixei para trás, nos meus, na minha rua cheia de simplicidade e gente que se senta no portão de casa, de chinelo de dedo ao fim da tarde, e sorri só porque sim.


Quando tem que ser é. Não se pode ser como um torcedor em clima de Copa do Mundo; não se pode andar sempre atrás do “time” que está ganhando.


ERICA VILARINHO

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