Quando a Robertinha me fez este convite, ainda que indiretamente,
para escrever sobre Portugal ou sobre um pouco da minha experiência em terras
lusas, fiquei com o bichinho da vontade: “E pá, isto pode ser um exercício
giro, já não escrevo há tanto tempo”– refle(c)ti. Instantaneamente dei por mim
num conflito linguístico. “Ih caraca, não posso escrever assim, senão ninguém
vai entender patavinas!” – Rá, os dilemas dos luso-brasileiros.
Verdade, isto é frequente
entre alguns dos brasucas que vivem em Portugal há já algum tempo. Viram? “Há
já algum tempo”. É que eu habito as terras de Camões há quase 10 anos (!) –
“Xiça pinico, cuncaraças!” Que é como quem diz “PQP” o tempo passa mesmo
depressa! Fiz a licenciatura, o mestrado e tive meu primeiro emprego de jeito
aqui. Porquê vim?
Por este motivo. http://ericavilarinho.blogspot.pt/2012/08/ainda-bem-que-o-fiz.html
E hoje tenho a minha
própria portuguesinha. Eduarda. Tem quase 1 ano e meio.
Penso em português, em
brasileiro, escrevo em português de Portugal e já começo a ter que pensar nas
palavras com cuidado quando falo com um conterrâneo. “Cara, você tá muito
portuguesinha mermo” – dizem. “É o combíbio”, respondo a brincar. Sim, “a
brincar” e não “brincando”.
Na minha escrita
lateja o português do “pá”. Já não escrevo “em um lugar”, mas sim “num lugar”.
Gerúndio? O que é isto? Utilizo expressões que já me estão tão enraizadas que
até me esqueço que tenho sotaque brasileiro.
- Está lá.
- Oi?
- Tô?
- Onde?
- Estou!
- Está o quê aonde gente!?
- Quem fala?
- Sou eu uai.
- Desculpa?
- Desculpa porquê?
-?
-?
Fim da chamada.
- Oi?
- Tô?
- Onde?
- Estou!
- Está o quê aonde gente!?
- Quem fala?
- Sou eu uai.
- Desculpa?
- Desculpa porquê?
-?
-?
Fim da chamada.
E foi mais ou menos
assim o meu primeiro telefonema aqui. É que o “alô” não é comum e deu nisto.
Falemos então dos tugas,
dos portugas, de Portugal. Falemos do lado lúdico, das prosas e rimas, da
poesia, mas também do que é feio, menos bonito. Falemos do português corre(c)to
cheio de “Cês”, do português quase sempre bem falado e bem conjugado. Aqui é
frio, aqui (só às vezes) é quente. Socializa-se à mesa acompanhado de bons
enchidos, de bons amigos e do excelente vinho do Porto. Come-se chouriço,
alheira, melão com presunto. Come-se, come-se e petisca-se e come-se. Bebe-se
cafés que dão “pica”, pingos e meias de leite com tostas mistas. Há “penache”
(cerveja com 7’up), “tango” (cerveja com groselha) e churrascarias que se
chamam churrasqueiras.
Por aqui, carrega-se
no travão ao invés de se pisar no freio, carrega-se no autoclismo ao invés de
se apertar a descarga e, ainda, vai-se às casas de banho e não ao banheiro. Diz-se
“rabo” ao invés de bunda, vai-se ao ginásio ao invés da academia.
Há “Tapas” (petiscos),
há “pimentos padrão” – uns picam e outros não. Há entradas e saídas. Há paleio.
Há boleia, há fado e pão de centeio. Preferem os doces aos salgados. Há “Maria,
Felipa, Manuel e Joaquim”. Combina-se nomes como Pedro Nuno, Marta Alexandra e
Carla Sofia. No início “estranha-se, depois... entranha-se”.
Por aqui diz-se “por
cá” e existem coisas “mais pequenas”. Olha-se os outros de cima abaixo quando
se entra num café. Trata-se as pessoas amigas por “tu”, as desconhecidas por
“você”. Valoriza-se os títulos à frente do nome e, por isso, há senhores
doutores, senhores engenheiros e senhores arquite(c)tos. Mariquices. Acho.
Fa(c)to. Os meus olhos
já não enxergam apenas o Douro ou a sedutora Ponte Dom Luís. Os meus olhos vão
além da beleza inigualável do Porto, cidade onde vivo. Captam as diferenças
culturais, os problemas sociais que afetam a Europa: o desemprego e a briga
desmedida por um lugar - não ao sol, que este por aqui tem brilhado pouco -, mas
por um lugar apenas.
A verdade? Já amei
Portugal, já detestei, já protestei e me refastelei. E continuo a viver entre
tapas e beijos neste país que me acolhe, me arrefece, me cansa e, ainda, me
fascina. Quando me perguntam: “Porquê não regressas para o Brasil?...” ou “O
que ainda fazes aqui, com tanta oportunidade boa na tua terra?
Sabem... Gosto de
acreditar que quando tem que ser é. Simples assim. Apesar dos pesares as coisas
têm-me acontecido mais por aqui. Não é comodismo. É instinto. Há qualquer coisa
que ainda me prende. Já houve mais, não nego. Já quis mais disto do que quero
hoje. Mas vou estando. Por enquanto. Até ao dia... Vou estando ainda que as lágrimas me venham
aos olhos cada vez que penso nas possibilidades do meu país mas, sobretudo, quando
penso naqueles que deixei para trás, nos meus, na minha rua cheia de
simplicidade e gente que se senta no portão de casa, de chinelo de dedo ao fim
da tarde, e sorri só porque sim.
Quando tem que ser é.
Não se pode ser como um torcedor em clima de Copa do Mundo; não se pode andar
sempre atrás do “time” que está ganhando.
ERICA VILARINHO
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