sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mulher Berinjela

       - Berinjela é bom pra depressão e ajuda a emagrecer.
   Ouvir essa frase transformou sua vida e rotina. Não sei  se há comprovações  científicas sobre a afirmação, mas foi o suficiente para ela.
      Berinjela tornou-se um obsessão.
     -Estou me sentindo outra pessoa depois que incluí berinjela na minha dieta. Você devia experimentar. – disse a um amigo próximo.
      - Eu não gosto muito de berinjela.
    - Ah, mas você pode fazer berinjela de várias maneiras, berinjela assada, berinjela recheada com cotagge, berinjela no vapor, berinjela grelhada, só não aconselho berinjela à milanesa embora seja muito gostosa. Tem lasanha de berinjela, berinjela em conserva, pasta de berinjela, salada de berinjela com maçã, berinjela seca, berinjela capri, rolês de berinjela, até carpaccio de berinjela. Berinjela, berinjela, berinjela, berinjela...
      O som da palavra repetida pela amiga e ouvida tantas vezes fez com que o interlocutor perdesse, por algum tempo, o significado dela, tornando a “berinjela” um vocábulo estranho. Pensava e a única coisa que lhe vinha à mente era o rosto dela, da obsessiva.  Imaginava a amiga em uma saladeira rodeada de maçãs, em um forno com a boca cheia de cotagge, em uma compoteira de vidro e até à milanesa. Saiu do bate papo atordoado. Passou na mercearia e comprou a maior berinjela que achou. Em casa lavou a leguminosa, fez-lhe um buraco , foi para o quarto, tirou toda a roupa e deitou-se na cama. Olhou a berinjela com ternura e volúpia. Tinha obsessão pela amiga.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Antídoto

Tinha obsessão pela Morte. De certa forma, sempre soube que ia morrer cedo. Não sei se a revelação se deu na infância, quando perdeu o pai precocemente ou, se na adolescência, quando se encontrou secretamente com algum tipo de cartomante ou vidente. Ou foi uma cisma, num dia de sol ou de chuva qualquer. O fato é que, um dia, ele cismou com a “velha senhora”. Teve medo da Morte. Ele tinha a certeza que a vida lhe seria tirada a qualquer momento, por um motivo fútil qualquer. E correu da Morte, como quem corre os cem metros rasos na olimpíada. Corria prestando atenção e curtindo cada segundo de suor, esforço, dor e euforia do trajeto. Naquele dia da cisma, foi dada a largada. Ele mergulhou de cabeça no trabalho, nos romances, na família, nos amigos, nos eventos. Pouco descansava, pois sabia que o tempo era curto. Para vocês terem uma idéia melhor sobre o que estou tentando dizer, vou narrar um metrinho da maratona dele: eis que um dia ele estava, a trabalho, em terras paulistas. Lá, soube que sua mulher havia entrado em trabalho de parto. Não podia perder o nascimento do seu filho, mas não havia vôos. Os poucos vôos que restavam naquele dia, estavam lotados. A tendência seria entrar em pânico, mas como isso o faria perder mais tempo do pouco que sabia que tinha, ele raciocinou. E na fila intensamente cheia de uma companhia aérea qualquer, começou a contar, para cada passageiro, a sua história e as razões pelas quais não poderia perder aquele acontecimento. Uma senhora se compadeceu e por um milagre conseguiram trocar as passagens. Sim, ele chegou a tempo de ver o seu primogênito nascer. Também conseguiu chegar a tempo para os aniversários de 1, 2, 3, 4...o nascimento do seu segundo filho, 5, 6, 7...formaturas, casamentos. Aos 60, o velho medo tomou forma, cheiro e cor. Mas ele queria ver o nascimento do seu primeiro neto e resistiu. Minha última lembrança dele é uma sonora gargalhada. Horas depois de ter falado com ele ao telefone soube que tudo se complicara naquele quarto de hospital. E que finalmente a linha de chegada tinha chegado para ele.


Em meio ao silêncio deixado, tive oportunidade de pensar sobre tudo. Cheguei à conclusão de que seria injusta se definisse esse homem como um obcecado pela Morte. A fixação era o antídoto, era a dose diária de impulso para a corrida. O justo mesmo seria recomeçar esse texto com outra frase. Porque nunca, em toda minha existência, vi alguém mais obcecado pela vida do que ele. E ao som daquela gargalhada encerro minhas palavras e meus pensamentos por hoje...

PS: Em homenagem ao primo Beto e seu jeitinho Carpe Diem de viver.