Tudo estava calmo. Ela era
um coração estável, aposentado de paixões, dentro de um país que se sabia
alegre, apesar de. Ela, assim como o país, acostumara-se a reverter a mais
triste dor em riso, em questão de tempos ou de copos de cerveja. Em legítima defesa,
aprenderam a gargalhar de si. Faziam piada dos próprios defeitos e
desvantagens, agarravam-se às delícias de ser, sabiamente ignorando todas
possíveis armadilhas de se tornarem questionadores de seu próprio
mundo...Assim, imersos na calmaria dos inocentes, viveram felizes por algum
tempo. Num belo dia, um estrangeiro que passava por ali, ergueu diante deles um espelho. Espantaram-se
ao perceber que eram maiores do que imaginavam, tanto o coração dela, quanto o
país. Não souberam ao certo durante quanto tempo espezinharam, de chuteiras, a
própria auto-estima ou se deixaram inebriar pela compreensão maniqueísta de si
mesmos. Ainda em berço esplêndido, perceberam que a cegueira seletiva não
caberia mais ali. Quase imediatamente, o desejo abafado chutou a inércia, que
atingiu em ondas as ex-margens plácidas. Então, levantaram-se. Tiraram das
costas o peso, antes simpático, do “Apesar de” e partiram “em busca de”... Ela, coração instável,
banhado de sonho intenso e raio vívido. Ele, gigante pela própria natureza,
mais forte e impávido. Ainda de chuteiras (pois assim seriam sempre)
caminharam, braços erguidos, em direção a um novo futuro. Estava nublado. Mas,
como milagre, o sol da liberdade brilhou no céu da pátria naquele instante.
Roberta S Saboya