quinta-feira, 20 de junho de 2013

O DESPERTAR

Tudo estava calmo. Ela era um coração estável, aposentado de paixões, dentro de um país que se sabia alegre, apesar de. Ela, assim como o país, acostumara-se a reverter a mais triste dor em riso, em questão de tempos ou de copos de cerveja. Em legítima defesa, aprenderam a gargalhar de si. Faziam piada dos próprios defeitos e desvantagens, agarravam-se às delícias de ser, sabiamente ignorando todas possíveis armadilhas de se tornarem questionadores de seu próprio mundo...Assim, imersos na calmaria dos inocentes, viveram felizes por algum tempo. Num belo dia, um estrangeiro que passava por ali,  ergueu diante deles um espelho. Espantaram-se ao perceber que eram maiores do que imaginavam, tanto o coração dela, quanto o país. Não souberam ao certo durante quanto tempo espezinharam, de chuteiras, a própria auto-estima ou se deixaram inebriar pela compreensão maniqueísta de si mesmos. Ainda em berço esplêndido, perceberam que a cegueira seletiva não caberia mais ali. Quase imediatamente, o desejo abafado chutou a inércia, que atingiu em ondas as ex-margens plácidas. Então, levantaram-se. Tiraram das costas o peso, antes simpático, do  “Apesar de” e partiram “em busca de”... Ela, coração instável, banhado de sonho intenso e raio vívido. Ele, gigante pela própria natureza, mais forte e impávido. Ainda de chuteiras (pois assim seriam sempre) caminharam, braços erguidos, em direção a um novo futuro. Estava nublado. Mas, como milagre, o sol da liberdade brilhou no céu da pátria naquele instante. 

Roberta S Saboya

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A FUGA



          Saiu sem que ninguém percebesse. Juntou suas coisas, que não eram muitas, na mala azul surrada de rodas quebradas. Capengas, ele e a mala precipitaram-se pelas, também capengas, ruas de paralelepípedos. Encoberto pela não luminosidade da noite sem lua, chegou à estação sem ser notado. Pegou o primeiro trem rumo à qualquer lugar. Decidiu que desceria na quinta parada. Gostava do número 5. Pela janela observou a noite parir o sol, esvaziando-se em dia. As árvores próximas corriam rápidas em direção ao passado, acompanhadas pelos passos lentos das montanhas distantes. Aos poucos, fechou os olhos e adormeceu. Despertou, com o apito do trem, já na quinta estação. Pegou a mala e desceu. Não sabia o que fazer e nem pra onde ir. Andou a esmo. Desconheceu as ruas, as casas e as pessoas. Desconheceu as paisagens, os cheiros e os sons. Desconheceu-se... em seus pensamentos, em suas emoções e, sobretudo, em sua coragem. Desconhecia o porvir. Deteve-se diante do jardim de uma simpática pousada. Entrou. Não lhe preocupou se a vida seria feliz ou não. Seria diferente e isso era tudo o que ele queria.

 Rick Sadoco

segunda-feira, 3 de junho de 2013

FÉRIAS

Hoje, quando tentei levantar,
O dia me convidou a ficar.
Rodei para lá, fiz força para cá.
Resisti.
Mas o corpo teimou em pesar.

Depois de longos cinco minutos,
Como a luta era inglória,
Passei a participar da minha própria história,
Na voz passiva. Caí!
No abismo sem gravidade,
Esqueci da saudade.

Dei chance para o meu tênis descansar,
E nem os chinelos, eu quis calçar.
Abri a porta da rua para o passado ir lá fora brincar,
Aposentei os sonhos,
Dei folga para o futuro,
Deixei a ansiedade respirar calma
E com gotinhas de chocolate preenchi
Os vazios da alma.
Tirei férias de mim.
Hoje, nem o barulho da chuva,
Nem o convite ao amor
Vão me tirar do adultério
De um compromisso sério
Com o quentinho do meu cobertor.

Roberta Saboya