terça-feira, 20 de maio de 2014

A Busca

Naquele dia, ela desistiu de tudo. Cansou dos nãos, de “não se encaixar no perfil”, cansou de tentar. Desde pequena, soube que queria escrever. E ela podia escrever sobre tudo, sobre nada, sobre qualquer pessoa no mundo, mesmo que não se identificasse realmente com toda a gente. O que ela sabia era que sempre havia uma história a ser contada. Fosse ela feia, bonita, alegre ou triste. Ainda criança se apaixonou pelo cinema e decidiu que era para aquele formato que iria escrever. Lutou, estudou, formou-se. Não trabalhava exatamente com o que queria porque o seu sonho ainda não era capaz de sustentar a vida real. Mas ela nunca se abalou. Perseguiu. Persistiu. Estudou. Aprendeu com as críticas. E seguiu transformando os nãos em tijolinhos para um templo maior; instrumentos de uma contadora de histórias melhor. Seguiu. Seguiu... até aquele dia.
Naquele dia, depois de mais um não, ela olhou a pilha de roteiros engavetados, o labirinto de tantas histórias não contadas. Sentiu-se enojada do trabalho burocrático do dia a dia. Sem forças, deitou-se, enjoada com a própria vida. Desistiu. Em silêncio permaneceu por algumas semanas. Vazia de sonhos, desistida.
Um dia, já reinventada por si mesma como uma pessoa de expectativas cotidianas e nada mais, leu numa revista o depoimento de uma parteira aposentada de uma cidadezinha esquecida no meio do Brasil. A velha dizia:
-O que eu mais vi nestes anos de parideira foi a mulherada fazer muita força, muita força mesmo, empurrar muito, até fraquejar de vez. Quando elas gritam que não aguentam mais, a cabeça do bebê já saiu. Eu aprendi que o corpo só fica fraquinho, só desiste, quando não precisa fazer mais tanta força.

Naquele dia, ela olhou os roteiros nas gavetas, o mundo de histórias esperando para serem ouvidas. Sentiu o sangue correr barulhento pelo corpo outra vez. Silenciosamente, revisitou cada passo, cada capítulo da própria história. Percebeu de repente que o maior esforço havia sido tornar-se quem era. Enxergou, agradecida, o potencial financeiro do trabalho burocrático do dia a dia. Valeu-se dele, despediu–se dele, vendeu o carro e foi se aventurar em terras americanas. Lá, poderia aprender técnicas novas para aprimorar o que já sabia ser desde sempre. Antes de partir, olhou para trás e viu ali a Desistência. Sorriu para ela, sincera. Sabia da sua importância. Afinal, andara de mãos dadas com ela, durante semanas. Da parceria resultou a pausa, o respiro. Ela acenou para a Desistência e virou a página.  Enquanto a outra ficava no capítulo anterior, derrotada, lívida e desistida, ela partiu. Protagonista da própria história. Sem se dar conta, já começava a escrever, ali, um novo capítulo.
Roberta S Saboya


  

terça-feira, 13 de maio de 2014

ALMA DE DOMINGO

Tem dia que é assim:
Os minutos trancados nos segundos.
AS horas amarradas aos minutos.
Lá fora, o mundo gira depressa.
Pessoas passam e até sorriem.
Aqui, chove. Num pinga-pinga incansável.
Inundando o vazio de ausência.
Ainda que lá fora, esteja cheio de presença.
De verde, azul, areia, mar...
As crianças correm...
Aqui, tudo anda lentamente.
Até a saudade passa pesada,
Arranhando cada artéria.
Lá fora, há luz.
Mas, ainda que a torre Eifel se ilumine, o Empire State se acenda,
O Cristo iluminado abençoe a cidade...
Aqui está um escuro de ar parado,
que faz a boca amargar.
Silêncio absoluto do celular.
No fundo, já perdi a esperança de ele tocar.
Grito e depois me calo. Por ora, paro.
O jeito é esperar o dia passar.
Talvez, num horário futuro, o aqui e lá estejam a girar
Num mesmo ritmo. Com as tristezas habituais,
E alegrias corriqueiras...

sem a dor profunda dessa solidão passageira.

Roberta S Saboya