Naquele
dia, ela desistiu de tudo. Cansou dos nãos, de “não se encaixar no perfil”,
cansou de tentar. Desde pequena, soube que queria escrever. E ela podia
escrever sobre tudo, sobre nada, sobre qualquer pessoa no mundo, mesmo que não
se identificasse realmente com toda a gente. O que ela sabia era que sempre
havia uma história a ser contada. Fosse ela feia, bonita, alegre ou triste. Ainda
criança se apaixonou pelo cinema e decidiu que era para aquele formato que iria
escrever. Lutou, estudou, formou-se. Não trabalhava exatamente com o que queria
porque o seu sonho ainda não era capaz de sustentar a vida real. Mas ela nunca
se abalou. Perseguiu. Persistiu. Estudou. Aprendeu com as críticas. E seguiu
transformando os nãos em tijolinhos para um templo maior; instrumentos de uma
contadora de histórias melhor. Seguiu. Seguiu... até aquele dia.
Naquele
dia, depois de mais um não, ela olhou a pilha de roteiros engavetados, o
labirinto de tantas histórias não contadas. Sentiu-se enojada do trabalho
burocrático do dia a dia. Sem forças, deitou-se, enjoada com a própria vida.
Desistiu. Em silêncio permaneceu por algumas semanas. Vazia de sonhos,
desistida.
Um
dia, já reinventada por si mesma como uma pessoa de expectativas cotidianas e
nada mais, leu numa revista o depoimento de uma parteira aposentada de uma
cidadezinha esquecida no meio do Brasil. A velha dizia:
-O que eu mais vi nestes
anos de parideira foi a mulherada fazer muita força, muita força mesmo, empurrar
muito, até fraquejar de vez. Quando elas gritam que não aguentam mais, a cabeça
do bebê já saiu. Eu aprendi que o corpo só fica fraquinho, só desiste, quando não
precisa fazer mais tanta força.
Naquele
dia, ela olhou os roteiros nas gavetas, o mundo de histórias esperando para
serem ouvidas. Sentiu o sangue correr barulhento pelo corpo outra vez. Silenciosamente,
revisitou cada passo, cada capítulo da própria história. Percebeu de repente
que o maior esforço havia sido tornar-se quem era. Enxergou, agradecida, o
potencial financeiro do trabalho burocrático do dia a dia. Valeu-se dele,
despediu–se dele, vendeu o carro e foi se aventurar em terras americanas. Lá, poderia
aprender técnicas novas para aprimorar o que já sabia ser desde sempre. Antes
de partir, olhou para trás e viu ali a Desistência. Sorriu para ela, sincera.
Sabia da sua importância. Afinal, andara de mãos dadas com ela, durante semanas. Da parceria resultou a pausa, o respiro. Ela acenou para a Desistência e virou
a página. Enquanto a outra ficava no
capítulo anterior, derrotada, lívida e desistida, ela partiu. Protagonista da
própria história. Sem se dar conta, já começava a escrever, ali, um novo
capítulo.
Roberta S Saboya