Podiam dizer que era fácil
a vida dela. Ela podia concordar em parte. A vida de Sônia começava com o sol
para lá de alto. Levantava-se ainda Cleonice, entre lençóis puídos e gosto de
ressaca. Antes do café, o cigarro. Antes dos pensamentos, a televisão. Tomava
café da manhã, à tarde, sempre assistindo a filmes antigos. Era a hora do seu
prazer. Quando o letreiro anunciava o Fim, era o começo. Cleonice se pintava
com maquiagem barata, perfumava-se com o presente doce dado por alguém que nem
lembrava mais, vestia poucas roupas. Não
se olhava no espelho. Mirava-se no cartaz. O velho pôster da Sonia Braga a
fazia lembrar porque havia fugido de um pobre cafundó do Brasil para vir para o
Rio de Janeiro. Quando via sua imagem no cartaz não lembrava que não havia
realizado nada do que planejara. Não lembrava que seu tempo havia passado. Não
lembrava que estava só num cafundozinho em Copacabana. Não lembrava quantas
vezes teria que abrir as pernas aquela noite para ter o que comer no dia
seguinte. Não lembrava do cheiro de cerveja azeda e seca que sentia pelas
calçadas toda vez que voltava para casa. Não lembrava o quão difícil era ser
Cleonice. Olhava Sônia e seus dentes brancos de manhã calma. Sabia, então, que
aquela noite podia ser que fosse o dia em que encontraria a sua manhã calma.
Assim partia. E era fácil! Era muito
fácil ser Sônia.
Roberta Saboya