quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

APESAR DA LUA



   Havia naquela noite algo de sombrio. As ruas estavam vazias. No caminho de volta para casa, teve a sensação de estar sendo observada.  Um sentimento estranho a invadiu, como se estivesse em um filme de suspense. Apressou o passo e entrou no prédio. Alívio! Censurou-se por assistir tantos filmes de mistério. As luzes do prédio não se acenderam. Tentou usar a lanterna do celular...sem bateria. Engoliu em seco. Começou a subir as escadas devagar. Tateava com o pé o caminho, tentando acostumar os olhos à escuridão. No segundo andar, ouviu um ruído. Ela parou. Tentou, em vão, enxergar de onde veio o barulho.  Silêncio. Pegou fôlego e subiu, o mais rápido que pôde, o último lance. As mãos trêmulas dificultaram ainda mais a entrada em casa. Concentrada, tateou até acertar a mira da chave na fechadura.

   Ela entrou rápido. Mesmo em casa, e em segurança, continuou com uma sensação estranha. Tentou acender as luzes. Nada. Arrepiou-se. Respirou fundo na tentativa de se acalmar. Neste momento, viu que a luz da lua invadia a janela da sala e reparou o quanto a noite estava linda. Sorriu. Prometeu-se que, enquanto morasse sozinha, não veria mais filmes de terror.  Acendeu uma vela, serviu-se de uma taça de vinho e foi até o quarto. Ligou o laptop e colocou uma música romântica. A música perfeita para um longo banho quente.  Ao sair do quarto, deparou-se com o maior dos seus pânicos. Sentiu um frio na espinha e congelou, cara a cara, com a mais abominável das criaturas. Ficaram paralisadas por alguns instantes: ela e a barata. Permaneceram assim até a adrenalina dar-lhe forças suficientes para correr e se trancar no quarto. Nervosa, pegou o telefone para chamar alguém... sem bateria. Desesperou-se e chorou até cansar. Depois, ela esperou, por horas, o amanhecer. Estaria segura, já que à luz do dia as baratas sempre somem para um inferno qualquer. Mas, antes que os primeiros raios de sol aparecessem, sua bexiga a traiu. Sem escolha, preparou-se e abriu a porta. Nada. Com a vela numa das mãos, e o chinelo em outra, moveu-se com cautela pelo corredor. Mas, só quando chegou ao banheiro, pôde ver. Ela estava lá... morta, esmagada. Quase comemorou o feito. Segundos depois, com o lampejo de consciência, veio também o arrepio na nuca. Vulnerável e sem fôlego, pensou em correr. Mas, diferente dos filmes de mistério que gostava de ver, não teve nem tempo de gritar.   
   Estava certa, havia algo de sombrio naquela noite. 

Roberta Saboya

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A CHUVA



Começou com um pingo. Caiu-me na ponta do nariz. Olhei pra cima, o céu estava limpo. Outro pingo. Dessa vez na mão direita. Em seguida um “A” e dois “Is”. Entendi de onde vinham os pingos. Um “P” escorreu-me na lente dos óculos. Um “S” , dois “erres”, um “til” e a frequência aumentanto. Corri e me abriguei sob uma marquise. Em questão de segundos, sílabas começaram a desabar, e palavras e frases. Um senhor abrigou-se comigo com a aba do chapéu ensopada por um parágrafo. A calçada estava tomada por páginas inteiras. Uma garota ruiva abriu o guarda-chuva bem na hora em que uma capa despencava em sua cabeça. Pude ver algumas crianças brincando numa correnteza de capítulos. Meia hora de intempérie e as ruas ficaram cobertas de livros.

         - Tempo doido esse.

Disse ao senhor de chapéu.

- Mas estava precisando.

Respondeu-me limpando um “exclamação” que lhe respingou no rosto.


Rick Sadoco

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O DIA D


Ao chegar em casa, na sexta-feira, ele desfez o nó da gravata. Enterrou o terno, a pasta e o cotidiano no fundo do armário. Deixou tudo preparado para o dia seguinte e foi dormir. Não conseguiu embarcar no sono, já que o coração reverberava alto. Não brigou pelas horas de descanso. Ao contrário, introduziu instrumentos imaginários à cadência do coração. Fez da ansiedade, melodia. Embalou-se, entre sonho e vigília, no  prenúncio da alegria que estava por vir. 

Os primeiros raios de luz deram o aviso oficial. Estava decretado que todo o brasileiro tem o direito à felicidade plena por 4 dias inteiros. Ele vestiu-se de esperança e, com o brasão da liberdade em punho, foi Rei. Foi príncipe. Foi super-herói. Foi Pierrô.   Embriagou-se de amor pela colombina. Apaixonou-se pela cigana. Encantou-se com a baiana. Namorou a mais linda das freiras. Perdeu-se e se achou mil vezes em meio à orquestra de pandeiros, repiques e tamborins. E durante 96 horas, viveu como se não houvesse amanhã. O dia D chegou ao meio dia de quarta. Então, ele guardou o brasão da liberdade, vestiu a fantasia cotidiana e foi trabalhar. 

Roberta Saboya

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

IMAGENS


Rio de janeiro, madrugada de sábado.

    Era saída de festa. Estava chovendo e não tinha taxi. ELE a viu, do outro lado da rua, no ponto de ônibus e se sentou ao seu lado.

ELE: – Está indo para o Leblon? Mora lá?
Ela hesitou, mas fez que sim com a cabeça.
ELE: Como é seu nome?
Ela: - Olha, desculpa. Mas, eu estou cansada e não quero conversar.
ELE sabia que Ela ainda não sabia o que estava perdendo.
ELE: -  Sabe? O caminho da minha casa é para lá. Mas, eu vim até aqui porque eu te vi e quero conversar com você. Então, qual é seu nome?
Ela: - Desculpa mesmo. Estou cansada e só quero chegar em casa.
ELE pensou em tudo o que gostaria de fazer: tocá-la, senti-la, beijá-la. A resistência da garota começou a incomodá-lo.  
ELE:  - Olha, eu me desloquei para conversar com você. E você vai conversar comigo. Qual é o seu nome? – Disse, enfático.
Ela: -  Por favor, para. Eu realmente não estou a fim. – Disse, sem encará-lo.
ELE: - Você vem lá de São Paulo para a minha cidade e não quer falar comigo? Garota, eu quero saber seu nome, já disse. – Exigiu, calmamente.
Ela olhou para a mulher ao lado, como quem pede socorro.
Ela: - Confundir sotaque de mineiro com sotaque de paulista é uma insensibilidade, não acha?
    
A mulher ao Lado assentiu. ELE ignorou a Mulher ao Lado. Estava focado na outra. Ela! Podia sentir seu cheiro. Sabia que proporcionaria a Ela uma noite inesquecível.

ELE: - Você ainda não entendeu com quem está falando. Pela última vez: Qual é seu nome, paulistinha?
   
Ela permaneceu em silêncio.

ELE:- Paulista de merda, eu estou falando com você. Qual é o seu nome? – Disse, como um cavalheiro, sem subir um decibel do volume da voz.
Mulher ao lado: - Você precisa ter duas qualidades básicas para abordar uma mulher: respeito e sensibilidade. Mas, para ganhar uma mulher, você precisa de uma coisinha que você não terá jamais: Carisma.
   
Ela riu. Quem essa Mulher pensava que era? Quem eram elas para falar com ELE daquele jeito? ELE teve que mostrar toda sua superioridade. Tirou da carteira a credencial do Ministério Público Federal. Agora, elas sabiam com quem estavam lidando.

Ela: - Você acha que você é melhor do que alguém por causa disso?
   
ELE não achava, tinha certeza. Era muito melhor. Não só por isso. Mas, por tudo. Sentiu-se obrigado a mostrar a elas algumas verdades. Disse-lhes, sem alterar o tom de voz, o quanto eram feias, gordas e velhas. E completou:

ELE: - Vocês estão desacatando uma autoridade pública. Não podem falar assim. Tratem de arrumar um advogado.
Mulher ao Lado:  – Eu sou advogada! Posso ver sua credencial de novo?

   ELE sorriu triunfal e mostrou a Carteira do Ministério Público Federal novamente.

Mulher ao Lado:  - Você sabe que essa carteira é PROVISÓRIA, não sabe? – perguntou irônica.

   O sorriso se foi.  ELE chegou perto do ouvido dela e sussurrou outra verdade inquestionável:

ELE: - Advogada de merda!

   Antes de partir, deixou claro para todos os presentes no ponto de ônibus, o quão bostas, as duas mulheres eram. Olhou em volta. Teve certeza: todos os homens concordavam com ELE. Resolveu deixar aquelas duas pobres diabas ali e saiu andando pela chuva.
Chegou em casa com a urgência de se desfazer das roupas molhadas e do nó no estômago. Não era raiva, mas desprezo. Despiu-se ainda pensando na estupidez das mulheres. Incapazes de identificar sua grandeza. Sentiu pena. Mas, o reflexo da própria imagem no espelho o fez esquecer o episódio. Observou a própria fortaleza: músculos torneados, membro enorme, sorriso perfeito.  Decidiu naquele momento, que da próxima vez que falasse com mulheres, não tentaria fazê-las entender. Não falaria. Só as traria para casa, de um jeito ou de outro, e as faria sentir a mais pura felicidade.  Encantado com própria imagem, ELE adormeceu sem se dar conta da própria magreza. Sem se dar conta da própria feiura. Sem se dar conta do tamanho quase microscópico do próprio pau.

Nota de rodapé: Esse texto é baseado numa história real. 

Roberta Saboya