terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Carinho



              O dia estava ensolarado. Ele se levantou cedo com uma disposição que há muito não sentia. Foi à cozinha preparar o café da manhã.  Colocou uma mesa impecável e diversificada de alimentos.  Queria fazer-lhe uma surpresa.  Inspirado pela beleza do dia, seu maior desejo era que ela acordasse bem e se sentisse feliz.
             - Meu amor.
             Disse tocando-lhe delicadamente o ombro.
            - Acorda. O dia está lindo e tenho uma surpresa deliciosa pra você. Me dê a mão, eu te ajudo a levantar. Não. Vou fazer melhor.
           Ele a tomou nos braços. Levou-a a cozinha como um noivo apaixonado carrega sua noiva para o quarto das núpcias.
           - Estou mais romântico hoje, amor.
           Sorriu e a sentou à mesa.
           -Vou servir você. Mamão primeiro porque sei que gosta. Suco de laranja. Torrada com mel.
          Serviu-a com devoção.
          - Amor, agora você tem que comer. Vou ajudar. Mas por favor, não grite.
          Foi até ela com a delicadeza de um beija-flor, pois não queria ferí-la. Retirou-lhe a venda para que ela pudesse ver o que comia.  Afrouxou-lhe a mordaça para que ela pudesse, efetivamente, comer.  Desatou-lhe uma das cordas, para que tivesse liberdade de movimento de mãos e braços. Deixou-lhe as amarras das pernas por precaução e colocou-lhe à frente um pratinho com mamão e torradas.
         -Pra você, meu amor. Fiz com todo carinho.
          Ela o encarou com os olhos arregalados e não disse uma palavra. Ele sorriu e se emocionou. Podia ver nos olhos dela, sentiu que lhe fizera uma surpresa.


 Rick Sadoco

sábado, 19 de janeiro de 2013

UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO



“No meio do caminho tinha uma pedra”. Vociferou o poeta, como se estivesse acompanhando de perto a vida dela.  Como se a alertasse, como se quisesse chamar a atenção dela para tamanha dificuldade. Pois, só ele e ela sabiam do peso da pedra no meio do caminho.  Ela estava acostumada com pedras ao longo da estrada, sabia bem desviar delas. Até então,  tinha empurrado, chutado, enxotado  todas as pedrinhas do trajeto. No entanto, agora parecia lenta, fraca, triste. Duvidou de si. A pedra se agigantou. Tomou proporções que as réguas, trenas e léguas não podiam mensurar. Gritou! Perguntou aos céus, mares, e infinitos por que tamanha injustiça: uma pedra tão grande a bloquear justo o seu caminho. Nenhuma resposta. Sentiu-se só. Fechou os olhos, abrindo caminho para a desistência que começou a percorrer manso seus poros, sua pele, seu sangue. Mas, antes que penetrasse as entranhas, ela abriu os olhos. Percebeu que não estava sozinha nem nos lados, nem dentro de si. Criou resistência para a desistência, que teve que fazer, apressada, o caminho de volta. Olhou novamente para a pedra ainda gigante. Silenciosamente, recebeu a resposta à sua pergunta. Encarou a pedra de um outro jeito, já sabendo que a única coisa maior do que a gigante era a sua capacidade de removê-la do meio do seu caminho. Respirou fundo. Não sem dificuldade, não sem esforço, realizou a tarefa que só ela no mundo poderia. E seguiu em frente, sem olhar para trás.  

Nota de Rodapé: Para Clarisse e sua força de enfrentar as pedras no caminho. 

sábado, 12 de janeiro de 2013

O INÍCIO...


As repetidas voltas do relógio levaram consigo o ano que havia sido peculiar. Nenhum grande amor, nenhuma grande fortuna. Mas intimamente, sabia que havia subido alguns degraus na escala de sucesso que ela própria inventara para si. Valendo-se de sua vitória particular, abriu mão das superstições que sempre lhe foram companheiras. Testemunhou o nascimento do novo ano vestida de preto, com um pequeno cogumelo de porcelana no bolso – presente dado pelos amigos austríacos que obedeciam à própria tradição de réveillon.

Sentia-se mais madura e ainda assim explorou os dias que se passaram com inocência e curiosidade quase infantis. Queria absorver cada momento, cada gosto, cada cheiro, cada alegria das experiências vividas naquela cidade tão fria quanto maravilhosa. O tempo transcorreu rápido. Já era hora de voltar. Arrumou tudo sem pensar no gosto da saudade, que mesmo antecipada, já apertava-lhe a garganta. Deixou para trás o que já não queria mais e partiu. Leve. Na mala, apenas boas lembranças, algumas roupas, e presentes. Na alma, a vontade de descobrir os acontecimentos que o novo ano reservava para si. No coração, a certeza de que um dia voltaria lá. 

Roberta Saboya