sexta-feira, 17 de outubro de 2014

AS ELEIÇÕES DO FLA X FLU




Às vésperas da fase final das eleições de 2014, o Brasil vive um clima tenso.  Enquanto os candidatos trocam acusações, os eleitores se posicionam, escolhem lados e compram as brigas nas redes sociais, nas mesas de bar, nos bancos dos táxis. A disputa eleitoral parece, para mim, um FlaXFlu, onde os presidenciáveis jogam e os torcedores gritam. Mas, ninguém se escuta.  Porque não interessa o que o adversário diz, uma vez que os lados já estão escolhidos. E quem torce sabe muito bem que um tricolor com o melhor argumento do mundo jamais vai convencer um flamenguista a torcer para o Fluminense e vice-versa.
Pensando bem, a metáfora escolhida por mim para retratar esta disputa PT X PSDB é muito desleal aos torcedores rubro-negros e tricolores. Porque o FlaXFlu é de uma beleza, de uma honra digna dos cavaleiros das fábulas de capa-e-espada. Os times se enfrentam, mas se respeitam. Sabem que um clássico destes só é possível porque um é um e o outro é o outro.

Não! As eleições de 2014 não tem essa honra, não tem esse mérito. Os presidenciáveis ainda se parecem com times de futebol e nós, eleitores, com torcidas. Mas, nada a ver com um FlaXFlu. Esta disputa eleitoral se parece mais com um sangrento jogo de Libertadores da América. Em 1981, o Flamengo e o time chileno Cobreloa protagonizaram uma dos duelos mais violentos da história da competição. Foram três partidas cruéis. Nas duas primeiras, o zagueiro Mario Soto, do time chileno, deu uma pedrada no meia Adílio e também fez sangrar o ponta-esquerda Lico

Assim estão as arenas de debates: acusações e pedradas viraram o foco. As torcidas fazem coro e se atacam nas redes sociais, botecos e táxis. Já vi amizades estremecerem, fraquejarem e ficarem moribundas. Mostramos os pontos fracos de um e de outro, normalmente sem checar as fontes e ver se todas as informações são verdadeiras. Neste jogo que criamos não há regras, nem cartão vermelho para as faltas e baixezas cometidas contra o outro. O que importa mesmo aos candidatos e às torcidas é ganhar o jogo – vale gol de mão, cascudo, tiro, porrada e bomba. 
Duelo entre Fla e Cobreloa


Ilustração: William medeiros
No terceiro e decisivo jogo entre Flamengo e Cobreloa, em 1981 pela Libertadores, veio a vingança do time rubro-negro. Cansado das pedradas, o time carioca resolveu se vingar. A quatro minutos do final, Carpegiani, o então técnico do Fla, colocou em campo o atacante Anselmo só para esmurrar Soto (o jogador das pedradas). Obediente, Anselmo soltou a mão — e foi expulso feliz da vida, vibrando com a vitória. O Fla comemorou e a torcida aplaudiu e se sentiu vingada. Somos humanos, afinal de contas! E na nossa humanidade passional nestas eleições perdemos o foco. O país vive um período difícil e estava precisando de carinho, de cuidado, de projetos que realmente fizessem bem para ele. Mas, nós – as torcidas - estamos dedicando nosso tempo a berrar uns com os outros com sete pedras na mão. Enquanto isso, o Brasil agoniza e vai perdendo o jogo por uma goleada muito maior do que 7 a 1.

Roberta S Saboya

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

AUTORRETRATO

Rio de Janeiro, Domingo (s), 2014

Era um domingo daqueles. De azul límpido de paraíso, sem linha visível a romper o horizonte verde do mar. O sol quebrava o infinito verdazul, soberano, quase sorrindo. A sorrir mesmo estavam os donos das cangas, pranchas e bolas que se embolavam na areia. Duas ruas longe do paraíso, a paisagem era outra: o sol parecia brincar de esconde-esconde com quem transitava, não se podia vislumbrar nem resquício de horizonte, mares de gentes se moviam. Não se olhavam, ou não se viam. Se espiavam, apenas de soslaio, quando desconfiavam umas das outras. O som do radinho enfurecido era abafado pela broca da obra em frente. Obra quase permanente, monumento que se fazia presente naquela paisagem há mais de um ano. A guerra decibética era vencida só e tão somente pelas sirenes das polícias e ambulâncias ambulantes que tentavam, em vão, aplacar alguns gritos de socorro. De passagem, olhei a paisagem: Selvas de prédios, asfaltos, gentes prontas a atacar ou a se defender das outras gentes. Um quadro feio, sem respeito pela cidade - que já fora tão bela- sem respeito pelo sol que devia estar brilhando não muito longe dali, sem respeito pela felicidade de alguém que estava em algum lugar que não aquele. Já na segurança do claustro, buscava apagar a imagem da cabeça. Não queria mais o mar de cinza invadindo o meu HD pessoal. Quis apagar, remover, deletar. Fechei mais uma vez os olhos para expurgar de vez o domingo. Foi então que notei. Olhei para o quadro de novo e ali estava seu Zé, sereno, no meio da calçada. Ele regava o tronco de árvore que eu já tinha esquecido que ali habitava. Seu Zé não se abalava com o radinho enfurecido, com as sirenes, ou com a broca. Alheio àquelas selvas de gentes enfurecidas e amedrontadas, ele regava o tronco. Nem me lembro de ter achado estranho, porque não o enxerguei na paisagem. E só agora lembro que quando passei perto, também amedrontada e enfurecida, vi a orquídea que ele cultivava com cuidado no tronco da amendoeira. Acho que ele me sorriu. Talvez, naquele momento, o sol tenha dado uma espiadinha por detrás dos prédios e iluminado o quadro com um feixe de esperança. Talvez... Quem sabe?

Roberta S Saboya