terça-feira, 14 de maio de 2013

ELA ALTEROU SEU STATUS PARA...


  Mudara seu status há poucos dias. Apesar de o seu corpo estar se acostumando, a alma ainda insistia em estranhar a liberdade. O coração oscilava entre os pulos de ansiedade quase pueril e o peso da saudade. Tinha dias em que a dona desse corpo-alma-coração passava horas tentando lembrar porque ela tinha virado a vida dela mesma de pernas para o ar e mudado aquele status. Os dias se passavam e numa hora qualquer, ela se pegou no flagra em meio ao ato de não pensar. E num estalar de dedos, ela era. Do verbo ser, sem pensamento agregado!

   Acho que foi neste dia que reparou o colega de turma. Uma pessoa que sempre esteve ali, mas não significava nada antes. Achou-o mais que bonito: interessante. Olhou para ele. Ele lhe sorriu com “cara de sim”, ela devolveu o sorriso com “cara de talvez”. Sim, ele era casado. Apesar disso, ou talvez alimentados por isso, trocaram mensagens de facebook. Na mesma noite, saiu com as amigas e conheceu o Fofo, possível candidato a amor da vida. Ele sorriu para ela com convincente cara “de vamos agora, para sempre”?  Ela retribuiu com cara de “com certeza, mas espera um pouco, pois sou boa moça e não posso ir rápido demais”. Trocaram telefones. No dia seguinte, reapareceu do passado, um amor esquecido. Ele sorriu com cara de “ainda dá”? Ela retribuiu com um “talvez, muito possivelmente que sim”. Combinaram de sair na semana seguinte.

   Na semana seguinte, nenhuma mensagem de facebook, nenhum telefonema, nenhuma concretização de encontro. Sentiu a dor da saudade de quem abriu mão de ser. Era um dos dias em que havia se esquecido o motivo da sua mudança de status. Então, a solidão sorriu com cara de “posso entrar?”, ela retribuiu com “fique a vontade, mas vou ali e já volto”. E foi para um despretensioso almoço. Lá, encontrou uma possibilidade. Ele sorriu com “hummm”, ela retribuiu com “ahhhh”. Mas, talvez pela bebida, ou pela amizade, ou pelas coisas que passam na cabeça do outro e a gente nunca tem como saber... nada se concretizou. Hummms e ahhhhhs ficaram no ar, no olhar, na expectativa de um futuro que talvez não chegasse.  A solidão ainda espreitava o apartamento, quando ela voltou. Não levou muito tempo para finalmente seu coração conseguir se lembrar o motivo que fez seu corpo mudar tudo. Sentiu na alma o gosto de segunda-feira dos últimos tempos de namoro. Não importava o dia da semana que fosse, no seu antigo status, ela estava presa a uma eterna segunda-feira. Isto posto, ela simplesmente deixou aquela sensação de sexta-feira invadir seu corpo-alma-coração. A esta altura, a solidão já tinha rumado para a casa da vizinha de baixo. 

Roberta Saboya

terça-feira, 7 de maio de 2013

O GRITO




        A Senhora e sua cadela, Nala,  moravam no prédio em frente ao meu, mas mais pareciam morar na rua. A qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana estavam pela calçada. A cachorra explorando a rua e a Senhora vigiando atrás. De vez em quando (pelo menos umas cinco ou seis vezes ao dia) a vizinha canina se aventurava por locais mais distantes. E esses momentos me  chamaram mais a atenção.
        - Naaaaaala! Naaaaala!
        A Senhora gritava com uma voz muito alta e ao mesmo tempo rouca e estridente. A princípio,  achei apenas curioso e engraçado. Depois, passou a ser de uma irritação inominável. Tinha ímpetos de gritar um cala a boca pela janela. Nunca o fiz. Sou polido no trato social, o que ja até me rendeu uma úlcera, mas isso é outro assunto.  O caso aqui é que o berreiro me transtornava sobremaneira.  
       No último domingo, assistia a um filme confortavelmente no sofá de minha sala, quando Nala resolveu fucinhar na rua debaixo, dando início ao que mais parecia um concurso de calouros desses em que as pessoas se esganiçam em altos e retumbantes brados à procura do apoio do público. Fui até a varanda no intuito de tomar alguma providência diante de tamanha poluição sonora. Detive-me no parapeito.  A cachorrinha voltava faceira e rabalmente abanante. A Senhora a recebia materna e labialmente convexa. E eu assisti a tudo, ocularmente inundado, e vocalmente entupido. Pude ouvir além dos gritos.
       Saí da varanda. Limpei minhas lágrimas. A irritação havia passado. Desci  até a rua.
       - Boa tarde. Dia lindo pra tomar um ar na rua, né?
       - Ah, meu filho. Eu adoro. Sempre que posso to aqui com a Nala.
       A conversa ainda durou até o pôr do Sol. Despedi-me e voltei ao meu filme. Aquela noite não houve mais gritos, apesar de Nala ter dado a volta no quarteirão umas quatro vezes. Sozinha.



Rick Sadoco