quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O ÚLTIMO DO BLOG (Porque mudar é inevitável)




A vida é ampla em tantos aspectos que, às vezes, fica difícil só vivê-la. Há tempos em que a vontade de entendê-la, mensurá-la e digeri-la se torna grande. Separei a minha em gavetas e prateleiras. Joguei fora o que não queria mais, as roupas que não serviam, os sapatos esfolados e cansados demais para continuar. Deixei separado na prateleira de ouro tudo de mais valioso. Lustrei e segui.  
Quando voltei no dia seguinte, as coisas já não estavam mais no mesmo lugar. Paciente, arrumei tudo de novo como queria e deixei tudo perfeitinho de novo. Fechei o armário e fui viver.
Dia seguinte, uma nova mudança. De novo, as coisas não estavam mais como deixei. Fiquei intrigada. Será que fui descuidada? Deixei uma fresta destrancada com espaço para alguém entrar e bagunçar a prateleira da minha vida? Talvez não tenha sido por mal. Quem sabe alguém com boa intenção tenha achado que ficaria mais arrumado assim do que assado. Agradeci com oração silenciosa ao bom sujeito, torcendo que ele nunca mais voltasse. Rearrumei a prateleira do meu jeito e a tranquei com cadeado, de forma que ninguém pudesse mais entrar. E depois, fui viver.
Eis que no dia seguinte, o armário da minha vida tinha sido revirado de novo. O irônico era que nada tinha sido mexido na prateleira que estava mais bagunçada. Aquela que mais me incomodava, a pedrinha no sapato, estava intacta. A que eu queria que ficasse paradinha, estava com tudo fora do lugar. Que raiva! Como cão de guarda, passei a ficar vigilante, sempre à espreita. Dentes à mostra para que a mudança se intimidasse e nunca chegasse perto das prateleiras perfeitas da minha vida. Não adiantou. Quando piscava os olhos ou respirava mais fundo, as coisas se modificavam.
Um dia, cheguei em casa mais cedo e flagrei a danada da autora indo embora, sorrateira. Passageira. Abri o armário e a prateleira do incômodo estava diferente dessa vez. Estava arrumada, perfeitinha. E a minha prateleira de ouro, a que eu queria conservar igual, também estava mudada, embora nada parecesse fora do lugar. Ela estava arrumada de um outro jeito. E cada item dela já tinha se acostumado a viver em novo cantinho. Adaptado como se tivessem nascido lá sempre.   
Foi então que entendi que não importa com quantos cadeados você tranca a prateleira preferida da sua vida. A mudança entra. Ela sempre entra. Pelas frestas, pelos poros, a cada piscar de olhos. Não existe jeito de congelar o tempo ou impedir que o momento navegue por outros mares. Enquanto o mundo tiver girando, enquanto a vida estiver em curso talvez o único lugar onde se pode guardar a prateleira perfeita é dentro do coração. Ali ela estará a salvo, pelo menos até que a distância da memória a transforme num espasmo de quase ilusão.
 Roberta S. Saboya

******Para os meus roomates e a formação que foi, durante 5 anos, sinônimo de felicidade.
Como já disse o poeta,
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades".

terça-feira, 14 de abril de 2015

PERSONAGEM DE UMA HISTÓRIA SEM FIM

De vez em quando é assim.
Como se o dia fosse o mesmo,
sufocado em caixa de marfim.
Minutos passados a esmo,
episódios de vida vazia
de personagens desperdiçados
perdidos na própria mania
repetida em  papéis amarelados.
Munidos de inquietação vadia,
mas de  hábitos viciados.
O resultado? Nada.
Ou tudo igual.
Tragédia ou piada?
Qualquer natal, todo carnaval,
esperança engarrafada
em bebida destilada,
Fé no novo,
alimento de mito
velho rito
a semente do ovo
que jamais se transforma.
E jamais irá.
Sobre a plataforma,
o vício de repetir-se há.
Obediente à própria forma
de  personagem crível
ele segue a norma

de tornar seu sonho impossível. 

Roberta S. Saboya

terça-feira, 7 de abril de 2015

O Tempo X O Menino


Durante anos, eles correm devagar, entorpecidos de quando, embalados do nada que era antes de tudo. O mundo!
Distraído com cenário, um cai a conta-gotas, ainda despercebido da
sua missão de passar. Embalado por cores, o outro engatinha, ainda despercebido da sua missão de estar.

Ganham consciência de si em algum momento.  E partem, cada um, a cumprir sua jornada. Um a inventar-se e o outro a descobrir-se. Até que  um dia, num expandir-se, entendem a dimensão do outro.  É então que começa a guerra.

Guerra não declarada, sem conflito direto. Só o toque do desgaste lambendo silenciosamente as bordas de vida. Enquanto um se esvazia de pele, o outro se infla de ironia. Enquanto um se enche de histórias, o outro se esvazia de piedade. Sádico, um aprende a correr cada vez mais rápido, enquanto o outro, tenta preencher, inutilmente, sua prateleira de expectativas. Maquiavélico, um deixa marcas, enquanto o outro tenta, inocente, disfarçá-las. Os passos solares de um, tornam até risíveis as tentativas do outro de esconder a si próprio com a peneira. Seguem os dois: Um, ansiando o próximo passo e o outro, fugindo dele.
Eis que o inevitável chega mesmo assim. O que ganhou a guerra assiste de perto os itens deixados de fora daquela fração de vida: metas não realizadas, viagens nunca feitas, projetos meio finalizados. Sussurros de sonhos a se dissolverem em algum lugar que não aqui...
Em algum momento, os olhares se cruzam. E passa. O que não passa? Ainda depois do fim, o outro continua correndo, voando, irônico,  mergulhando-se na própria invencibilidade.       
 

Roberta S. Saboya