sexta-feira, 27 de julho de 2012

Um Conto de Fadas Moderno


Era uma vez Uma Princesinha inocente. Ela vivia feliz e contente na sua pequena grande floresta, num reino não muito distante. Numa bela manhã de domingo, durante o piquenique da Princesa Aurora, ela conheceu um Coelhinho. Ele era fofo: muito pequenino e tinha o nariz muito arrebitado. Ficaram amigos. Pouco tempo depois, viraram companheiros inseparáveis.  Nenhum passeio, nenhum banquete, nenhum sarau tinha graça se os dois não estivessem juntos. O mundo deles era tão perfeitinho! Mas, deixou de ser no dia em que o pequeno coelhinho de nariz arrebitado virou-se para a Princesinha e disse:

- Estou precisando pensar. Não é nada com você, é comigo. Tenho que ficar sozinho e pode acreditar, Princesa, estou arrasado por isso, mas realmente preciso de um tempo.

A Princesinha ficou muito confusa e tentou balbuciar algumas palavras. Ela queria conversar. Mas o coelhinho, mais que depressa, saiu correndo e sumiu sem deixar rastros.

A Princesinha voltou para o castelo se perguntando o que poderia estar acontecendo com ele? O que ele estaria pensando? Por que ele não dividia com ela as suas questões? Ela sentiu-se sozinha, sozinha.

- Quem no mundo poderia me salvar de tanta tristeza? -refletiu a menina.

- Oh, sim... A minha Personal Fada Madrinha. – respondeu para si mesma.

A Princesinha, então, pensou bem forte. Fez tudo como manda o figurino de todas as histórias de contos de fada, para chamar a atenção da sua Fada. E...nada. Por mais força do pensamento que a Princesinha fizesse a Fada Madrinha não aparecia. Nunca, na história de todos os reinos, uma Princesa se sentiu tão abandonada. Depois de um momento de insano desespero, ela resolveu não se entregar ao drama. Decidiu abandonar momentaneamente o papel de frágil donzela e lutar pelo seu amor como um bravo guerreiro. Furtou de seu pai a capa, a espada, o cavalo branco e partiu.  Foi atrás do amor da sua vida: o coelhinho de nariz arrebitado!

Um tempo depois... ela avistou o coelhinho. Estranho! Ele não parecia triste, nem reflexivo. Na verdade, estava sorrindo. Mas, do que sorria se o mundo estava tão triste agora que não estavam juntos? Um momento depois, entendeu que ele não sorria por alguma coisa, mas para alguém. Por trás dos arbustos, a Princesinha pôde ver direitinho quem caminhava ao lado dele.

Os olhos da Princesinha praticamente queimaram quando ela viu sua personal Fada se aproximando do amado e tascando-lhe o beijo mais viveram felizes para sempre já visto nas histórias dos contos de fada. A Princesinha morreu. Ou achou que tivesse morrido por um segundo. Não, droga! Estava viva e sofrendo. Tinha que pensar no que faria dali por diante. Esperou a ex-Fada Madrinha se afastar para dizer para o amado tudo o que estava borbulhando dentro dela. A Princesinha estava disposta a fazer qualquer coisa para ele a amar novamente: colocaria silicone, faria dieta, pintaria os cabelos de loiro, usaria varinha de condão, mudaria de time....qualquer coisa. Queria dizer para o coelhinho quanto o amava, o quanto poderiam ser felizes juntos.
 
Quando conseguiu ficar a sós com seu querido amado coelinho, a Princesinha percebeu que as palavras de amor se perderam num reino longínquo entre o coração e a garganta. E mudou os planos. Utilizou muito bem a capa e a espada furtadas de seu pai. Devargarzinho e aos poucos fez o coelhinho sentir na pele o sofrimento que ela tinha sentido no coraçãozinho dela.

Dias depois, a Princesinha deu um belo banquete e convidou todas as Princesas dos reinos próximos para comer cozido...de coelho.  A ex-Fada Madrinha, aquela vaca, desesperou-se em segredo com o sumiço do coelhinho-amante. Procurou-o enlouquecidamente por dois dias inteiros. Depois, apareceu um coelhão e a Fada acabou esquecendo.  

Enquanto degustava o banquete, a Princesinha refletia sobre um velho ditado. E a cada colherada, discordava mais e mais dele. Afinal, vingança é um prato que se pode comer quente.

E assim, a Princesinha inocente cresceu. E viveu: solteira, casada, separada, apaixonada, desconfiada, infeliz, feliz... mulher para sempre. 

Roberta Saboya

segunda-feira, 9 de julho de 2012

ESPERANDO O PRESUNTO


Volta e meia a genial peça de Samuel Beckett me vem à cabeça.  O texto fala sobre dois amigos (Vladmir e Stragon) que se encontram e ficam esperando Godot chegar.  Toda vez que tenho que esperar alguém, a Peça simplesmente surge. Pensamento inevitável.

Num fim de semana desses, meu irmão veio com a mulher e os amigos da turma do Pólo aquático para o Rio. Para eles, seria um fim de semana especial. Vieram sem os pais, sem os filhos, sem obrigações. Foi na Lapa que o fim de semana começou. Chegamos cedo. Todos animados. Estávamos em um grupo grande, eu e o pessoal do Pólo. Paramos em um ponto da rua principal do agito.

- Onde vamos? - alguém perguntou. 

- Por enquanto, não vamos a lugar nenhum. O Presunto está chegando e combinei de encontrar com ele na frente da banca de jornal, do lado deste bar Arco-íris. - respondeu Macalé.

-Vamos sentar em algum lugar, e a gente liga para ele. -Alguém sugeriu.

- O Presunto está sem celular, temos que esperar aqui. Mas, quando eu estava saindo ele já estava terminando de se arrumar. Já deve estar chegando. -  Macalé disse por fim.

Ninguém contestou. Esperaríamos o Presunto, afinal ele já estaria chegando.

-Alguém quer cerveja?

Todos queriam.

-Você sabe se algum vendedor ambulante vende Heineken? -Meu irmão perguntou.

- NA LAPA??? - Respondi espantada e completei: - Não serve Antarctica?
 
Não servia. O pessoal do polo só bebe Heineken. Peguei uma Antarctica e pensei na tarefa inglória que eles teriam durante a noite.   Macalé resolveu procurar algum lugar que vendesse Heineken. Esperamos ali mesmo, pois o Presunto já estava chegando. Teoricamente.  
Um tempo se passou até a volta desanimada de Macalé. Nada de Heineken. Mais gente se juntou a ele na missão. Waller disse:

- Vamos continuar procurando, não saiam daqui.

Esperamos, em pé, mais algum bom tempo. Alguns se renderam:

- Vamos começar na Antarctica. Não é nenhum pecado, né?

Para eles, era. Mas, como a espera estava grande e a vontade gigante, Sari redimiu a todos:

-Não tem problema. Essas não contam. Depois a gente troca.

A noite foi passando e nada de Presunto. Mas, tudo bem, porque a Heineken chegou, trazendo com ela os sorrisos de orelha a orelha do Macalé e do Waller.

- Vocês não sabem a aventura que foi para conseguir. – Disse Waller.

Quando a rodada terminou, todos se olharam em silêncio, se perguntando secretamente quem enfrentaria a aventura para buscar a segunda rodada. 

- Por que não vamos todos e ficamos mais perto da cerveja? – Sugeri.

- O Presunto está chegando, esqueceu?

Já tinha passado tanto tempo, que eu tinha esquecido mesmo.  Alguns se renderam à Antarctica, outros resolveram percorrer o caminho rumo à Heineken.  E com o passar de muito tempo começamos a entender que se o Presunto estivesse realmente chegando, ele já teria chegado. Eu desabafei :

- Vamos sentar em algum lugar, pessoal. Quando o Presunto chegar, ele procura a gente.

Todos concordaram timidamente. Agora a dúvida era para onde ir. O casal, Carol e Rafael, queria conhecer o Rio Scenarium. Dani e Bob queriam ir para o Carioca da Gema, já Clarisse e Bernardo queriam sentar num barzinho... Antes de se darem conta que não chegariam a um consenso, pensaram no Presunto. Não podiam sair todos dali. Alguém teria que esperar o Presunto. Decidiram que iam fazer rondas de revezamento. Os meninos buscariam a Heineken, enquanto Clarisse e Bernardo tomavam um chope no barzinho. Quando eles voltassem, alguns iam dar uma voltinha até o Rio Scenarium, e outros entrariam um pouquinho no Carioca da Gema. E assim foi feito.

Quando eu e minha Antarcitica já estávamos nos divertindo com aquela situação, lá pelas tantas, aconteceu o milagre. Diferente de Godot, o Presunto chegou. E todos finalmente sentamos para comemorar.  Eu me perguntava, como é que esse pessoal vem de Brasília com tão pouco tempo para aproveitar o Rio e passa uma noite inteira esperando o Presunto?  Assim que sentamos, entendi.

Tudo o que aconteceu durante a espera virou história. A Heineken, os ambulantes, o Rio Scenarium, o Carioca da Gema, o outro bar... E o Presunto contou o motivo do atraso dele. E fez todos caírem na gargalhada. Eles contaram histórias novas, histórias antigas, conversavam como se não se vissem há muito tempo.  Às vezes, um não precisava nem contar o final da história, para o outro entender e rir junto. E como eles riam. Ao contrário do que possam pensar, a quantidade de cerveja ingeridas não era a autora única das crises de riso. Entrosamento. Um passava a bola para o outro, que já tinha entendido toda a jogada antes dela ser feita, e já corria para fazer o gol. Tem coisas que são engraçadas só quando compartilhadas com quem se tem cumplicidade. Eu percebi que eles eram um time.  Cada um com sua função. Cada um do seu jeito. Entendi que a cidade Maravilhosa, seria um pouco menos maravilhosa para eles, se não estivessem juntos.
 Nunca me diverti tanto numa noite.

Notas de Rodapé:
1- Para o meu irmão, que esperou por este texto quase tanto tempo quanto Vladmir e Stragon estão esperando Godot.
2 -Para o Beto, que sempre fará parte desse time.