Acordou pra dentro. Seus
sentidos estavam confusos. Um clarão o impedia a visão e os sons ainda eram um
zunido monocórdico. Aos poucos, olhos e ouvidos de dentro se adaptaram. Foi
então que ele se constrangeu. Estava nu, no centro de uma praça, rodeado de
pessoas que riam alto e o apontavam. Podia distinguir alguns rostos conhecidos
na multidão, mas não hesitou em correr. Percebeu que corria ao lado de uma
mulher loira que lhe sorria amável e então essa loira era sua avó, rodeada por
lãs e agulhas de tricô. Um cachecol verde se amontoava pela sala e as mãos
enrugadas da avó não paravam de trabalhar. -“É pra você!” Ele se enrolou no
cachecol dos pés ao pescoço e não conseguia mais se mover. Sentiu o chão
trincar e se abrir. Caiu em um lago onde um peixe-boi penteava o rabo de uma
égua branca de olhos azuis. Mergulhou fundo e não mais conseguia subir. Debateu-se
sem fôlego e na agonia viu que o cachecol verde estava enrolado no pescoço da
égua, pegou-o e colocou no rosto. Pela trama do tecido viu um exército em
posição. Todas as armas apontadas pra ele. Os soldados se levantaram e
marcharam e ele marchou junto. Ao seu lado um soldado, que tinha a sua cara,
perdeu o compasso. Ele o ajudou a entrar no ritmo e dançaram Ravel sobre as
águas do lago. O soldado era sua mulher em um lindo vestido vermelho.
Rodopiavam enquanto um cachorro latia e rosnava em frente a casa. Com medo
parou e recuou. O Rottweiler e mais seis Chihuahuas partiram em sua direção. O
exército voltou à posição e lhe apontou as armas. O cachecol enrolou em suas pernas e braços. Ele olhou pra trás, viu apenas um precipício.
Sua avó e sua mulher o empurraram. Um grito de pavor e então ele dormiu pra
fora. –Ufa!
Rick Sadoco
Rick Sadoco