terça-feira, 22 de maio de 2012

Uma e Outra


Teresa e Joana trabalham no mesmo lugar. Fora isso, não tem mais nada em comum. Uma nasceu no interior, numa das paisagens mais áridas e feias que se pode imaginar, em meio a uma família populosa e de recursos escassos. A outra nasceu na capital, num dos mais belos cenários já vistos no mundo, em uma família de baixa densidade demográfica e de bons recursos. 

Uma sabia que as esperanças depositadas na sua existência eram áridas como sua terra. A outra sabia que as esperanças depositadas nela eram altas como suas possibilidades. Uma sabia que podia ser melhor do que julgavam. A outra tinha dúvidas. Enquanto uma estudava para conseguir tudo o que sonhava, a outra estudava para não decepcionar os que sonhavam por ela. Enquanto uma conquistava, a outra preenchia lacunas. E iam vivendo: uma, vencendo os desafios. A outra, fugindo deles. 

Foram apresentadas no dia em que uma realizou o sonho de ver o mar, e a outra decidiu que estava cansada de vê-lo todos os dias. Teresa e Joana seriam colegas de trabalho. Mas, uma não prestou muita atenção na outra. Estavam focadas na carreira. Uma sabia que era apenas uma pequena empresa, um degrau a mais na sua escalada para uma vida melhor. A outra sabia que era uma pequena empresa, e que talvez não tivesse competência para ir para um lugar melhor. Para uma, era uma porta que conduziria para um infinito de possibilidades; para outra era um confortável beco sem saída e nada mais.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A Dívida


      Eram muito amigos. Os melhores. José mais extrovertido e comunicativo. Vítor mais quieto e observador. Completavam-se. Consideravam-se irmãos e sabiam que podiam sempre um contar com o outro. Em função disso, José, emaranhado em dívidas de um negócio mal sucedido, recorreu ao amigo.
      - Vitinho, me enrolei todo. A distribuidora anda de mal a pior. Estou atolado em dívidas e com a gravidez da Solange as coisa ficaram pretas.
      - De quanto você precisa?
      O amigo não pestanejou. Tirou de sua reserva pessoal pra imprevistos e deu ao amigo.
      - Pague quando puder. Não tenha pressa.
      - Você é meu irmãozão! Pode contar sempre com o amigo aqui. 
   O tempo e seu incessante movimento fizeram a Lua e o Sol nascerem algumas vezes até o reencontro dos amigos no aniversário de Rita, mulher de Vítor. José deu a ela um lindo colar de ouro branco.
      - Obrigado amigão. Não precisava se preocupar tanto. Deve ter sido caro.
   - Minha cunhada Vitinho. Ela merece e além do mais as coisas estão melhorando. E olha, não esqueci a dívida não, já te pago.
      Mais luas e mais sóis. As esposas marcaram um jantar entre casais.
      - Solange está muito bonita com esse barrigão. Quantos meses já?
      - Seis.
      - Nossa! O tempo passa.
      - Passa mesmo e saiba que não esqueci daquele nossa pendência. Já te pago.
     E assim foi até o nascimento da filha de José e Solange. José nunca deixava de mencionar a tal dívida. Falou dela quando reabriu a distribuidora, quando foi mostrar seu carro novo, quando reformou a casa, quando viajou em segunda lua de mel pela Europa e até mesmo quando abriu uma filial da distribuidora na cidade vizinha. Falava... falava... falava.
      - Amigão. O melhor do mundo. Nunca esqueço a dívida que tenho com você.
     - Bom você tocar nesse assunto, Zé. As coisas lá em casa não estão muito bem. A grana está curta. E como vejo que está reestabelecido gostaria de pedir que...
     - Quanto você precisa?
    Interrompeu José que não exitou. Tirou de suas reservas pessoais pra viagens internacionais e deu ao amigo.
     - Pague quando puder. Não tenha pressa.

Rick Sadoco

terça-feira, 1 de maio de 2012

É Proibido Permitir ou a Casquinha de Sábado à Noite



Seria liberado, se não fosse proibido;
Seria errado, se não fosse irracional;
Seria quase amor, se não fosse ânsia;
Seria doce o olhar, se não me despisse da cabeça aos pés;
Seria suave, se não fosse o desejo;
Seria suspiro, se não fosse ofegante;
Seria compromisso, se não fosse descompromisso;
Seria infinito, se não fosse momentâneo.
E se fosse?
Ah, se fosse...Seria liberado e não proibido.
Num suspiro calmo, de quase amor.
Nas manhãs de olhar doce, a cada despedida,
E nas noites, a cada reencontro,
Na tranquilidade do se saber infinito,
Aquele olhar, logo se tornaria cansado,
Ansiando pelo momentâneo ofegante
Da liberdade proibida de um sábado à noite qualquer.
E se não fosse?
Ah, se não fosse... o sábado à noite seria permitido e ponto. Sem as vírgulas de um “se” de proibida liberdade, e ele sentiria saudade da sua rotina de quase amor.   

Roberta Saboya