Rio de Janeiro, Domingo (s), 2014
Era um domingo daqueles. De azul
límpido de paraíso, sem linha visível a romper o horizonte verde do mar. O sol
quebrava o infinito verdazul, soberano, quase sorrindo. A sorrir mesmo estavam
os donos das cangas, pranchas e bolas que se embolavam na areia. Duas ruas
longe do paraíso, a paisagem era outra: o sol parecia brincar de esconde-esconde
com quem transitava, não se podia vislumbrar nem resquício de horizonte, mares
de gentes se moviam. Não se olhavam, ou não se viam. Se espiavam, apenas de
soslaio, quando desconfiavam umas das outras. O som do radinho enfurecido era
abafado pela broca da obra em frente. Obra quase permanente, monumento que se
fazia presente naquela paisagem há mais de um ano. A guerra decibética era
vencida só e tão somente pelas sirenes das polícias e ambulâncias ambulantes
que tentavam, em vão, aplacar alguns gritos de socorro. De passagem, olhei a paisagem:
Selvas de prédios, asfaltos, gentes prontas a atacar ou a se defender das
outras gentes. Um quadro feio, sem respeito pela cidade - que já fora tão bela-
sem respeito pelo sol que devia estar brilhando não muito longe dali, sem
respeito pela felicidade de alguém que estava em algum lugar que não aquele. Já
na segurança do claustro, buscava apagar a imagem da cabeça. Não queria mais o
mar de cinza invadindo o meu HD pessoal. Quis apagar, remover, deletar. Fechei
mais uma vez os olhos para expurgar de vez o domingo. Foi então que notei. Olhei
para o quadro de novo e ali estava seu Zé, sereno, no meio da calçada. Ele regava
o tronco de árvore que eu já tinha esquecido que ali habitava. Seu Zé não se
abalava com o radinho enfurecido, com as sirenes, ou com a broca. Alheio àquelas selvas de gentes enfurecidas e
amedrontadas, ele regava o tronco. Nem me lembro de ter achado estranho, porque
não o enxerguei na paisagem. E só agora lembro que quando passei perto, também
amedrontada e enfurecida, vi a orquídea que ele cultivava com cuidado no tronco
da amendoeira. Acho que ele me sorriu. Talvez, naquele momento, o sol tenha
dado uma espiadinha por detrás dos prédios e iluminado o quadro com um feixe de
esperança. Talvez... Quem sabe?
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