Quando acordou ja estava morta.
Tentou se lembrar de alguma coisa. Mas, nada, nem mesmo de seu nome. Só sabia
que estava ali, acordada e morta! Andou pelo quarto do qual não se lembrava.
Olhou pela janela a paisagem, aparentemente nunca vista. O tapete estranho com
estampas florais estava amontoado em um canto. Acima da cama, um quadro com um
barco à vela lutando contra ondas gigantes. Os porta-retratos exibiam sorrisos
desconhecidos. Olhou sorriso por sorriso, algum deles deveria ser o seu. Rondou
pelo quarto à procura de um espelho. Encontrou-o na tampa de um porta-jóias
que tocava Pour Elise quando aberto. Fitou-se ao som da melodia. Seus olhos
negros, seu nariz aquilino, sua boca fina, seus cabelos encanecidos, seus
dentes pequenos, suas rugas profundas, nada ali lhe era familiar. Apenas uma
coisa, a música. Lembrava-se da canção e dos caminhões de gás que a tocavam
pelas ruas. Que ruas? Tentou sair do quarto, a porta estava trancada.
Voltou à janela, parecia alto demais pra pular. Estava morta, que diferença
faria? Subiu no parapeito, levando consigo o porta jóias. Não sentia medo, não
sentia nada. Pulou. Ao tocar o chão, não tentou se levantar. Ficou ali,
deitada. Alguns gritos e algo parecido com uma sirene misturaram-se ao som
familiar do porta-jóias que ainda tocava. Embalou-se e dormiu, morta.
Rick Sadoco
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