terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Antídoto

Tinha obsessão pela Morte. De certa forma, sempre soube que ia morrer cedo. Não sei se a revelação se deu na infância, quando perdeu o pai precocemente ou, se na adolescência, quando se encontrou secretamente com algum tipo de cartomante ou vidente. Ou foi uma cisma, num dia de sol ou de chuva qualquer. O fato é que, um dia, ele cismou com a “velha senhora”. Teve medo da Morte. Ele tinha a certeza que a vida lhe seria tirada a qualquer momento, por um motivo fútil qualquer. E correu da Morte, como quem corre os cem metros rasos na olimpíada. Corria prestando atenção e curtindo cada segundo de suor, esforço, dor e euforia do trajeto. Naquele dia da cisma, foi dada a largada. Ele mergulhou de cabeça no trabalho, nos romances, na família, nos amigos, nos eventos. Pouco descansava, pois sabia que o tempo era curto. Para vocês terem uma idéia melhor sobre o que estou tentando dizer, vou narrar um metrinho da maratona dele: eis que um dia ele estava, a trabalho, em terras paulistas. Lá, soube que sua mulher havia entrado em trabalho de parto. Não podia perder o nascimento do seu filho, mas não havia vôos. Os poucos vôos que restavam naquele dia, estavam lotados. A tendência seria entrar em pânico, mas como isso o faria perder mais tempo do pouco que sabia que tinha, ele raciocinou. E na fila intensamente cheia de uma companhia aérea qualquer, começou a contar, para cada passageiro, a sua história e as razões pelas quais não poderia perder aquele acontecimento. Uma senhora se compadeceu e por um milagre conseguiram trocar as passagens. Sim, ele chegou a tempo de ver o seu primogênito nascer. Também conseguiu chegar a tempo para os aniversários de 1, 2, 3, 4...o nascimento do seu segundo filho, 5, 6, 7...formaturas, casamentos. Aos 60, o velho medo tomou forma, cheiro e cor. Mas ele queria ver o nascimento do seu primeiro neto e resistiu. Minha última lembrança dele é uma sonora gargalhada. Horas depois de ter falado com ele ao telefone soube que tudo se complicara naquele quarto de hospital. E que finalmente a linha de chegada tinha chegado para ele.


Em meio ao silêncio deixado, tive oportunidade de pensar sobre tudo. Cheguei à conclusão de que seria injusta se definisse esse homem como um obcecado pela Morte. A fixação era o antídoto, era a dose diária de impulso para a corrida. O justo mesmo seria recomeçar esse texto com outra frase. Porque nunca, em toda minha existência, vi alguém mais obcecado pela vida do que ele. E ao som daquela gargalhada encerro minhas palavras e meus pensamentos por hoje...

PS: Em homenagem ao primo Beto e seu jeitinho Carpe Diem de viver.

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