![]() |
Ilustração: André Glasner |
Tentei falar... Mais uma vez... E outra... Nada saiu.
Nenhum som. Nem um rosnar. Nem guincho. Nada. A princípio faltou-me o ar e a
visão ficou turva. Fechei os olhos e tentei respirar melhor. Ao abri-los de
novo vi que a caixa do banco, uma senhora gordinha e avermelhada, movia seus
lábios me encarando assustada. Imaginei-me surdo também, mas não. Ela começou a
se contorcer levando a mão fofa e vermelha ao pescoço em um desespero maior que
o meu. Começamos uma troca de gestos e bocas abertas e aflitas. Ela apontou com
o dedo almôndega e olhei ao redor. Senti-me um personagem de Saramago. As
pessoas atrás de mim pareciam galinhas engasgadas, esticando os pescoços e
vagando desnorteadas e mudas pelo hall do banco. Uma menina de chiquinha corria
sem rumo com os braços pra cima e a boca arreganhada. Deu com a cara no vidro.
Ouviu-se o barulho da trombada, mas o choro mudo acabou por chamar mais a
atenção e todos olharam. Uma mulher, que deduzi ser a mãe da criança, foi
socorrê-la. A mulher sentou-se com a filha no colo e pôs- se a chorar. A partir daí, saí de Saramago e fui pra
Chaplin. O jogo gestual e fisionômico era patético, pareceu-me exagerado pra
compensar a falta do som. Não estivesse mudo gargalharia com facilidade.
- Ei! Esse lugar era meu.
- Eu estava à frente desse senhor, não estava?
- Não sei de nada não reparo essas coisas.
- Não vai bancar o espertalhão pra cima de mim não,
malandro, pode ir pra trás.
- Malandro é o cacete! Acha que só porque é mulher eu
vou aceitar calado? Vem me tirar daqui!
A confusão se generalizou, alguns reclamavam
concordando com um, outros com outro. A menina voltou a chorar, mas dessa vez
ninguém ouviu. Eu, como já estava no guichê, paguei minhas contas e fui embora.
Rick Sadoco